Claridades sobre a realidade dos jovens
Quando Lisboa escurece E devagar adormece Acorda a luz que me guia Olho a cidade e parece Que é de tarde que amanhece Que em Lisboa é sempre dia Cidade sobrevivente de um futuro sempre ausente de um passado agreste e mudo Quanto mais te enches de gente Mais te tornas transparente Mais te redimes de tudo Acordas-me adormecendo E dos sonhos que vais tendo Faço a minha realidade E é de noite que eu acendo A luz do dia que aprendo Com a tua claridade
Fado “A luz de Lisboa”, repertório de Camané, composição Manuela Freitas.
As marcas da pandemia são muitas. Planos adiados, vidas em suspensos… emerge a necessidade urgente de uma ideia de futuro. O adolescente e o jovem adulto representam os jovens entre os 15 e os 30 anos a que já se começa a chama “geração Covid-19”. Estes estão presos entre a escola e o trabalho, o risco dos amigos e as saídas condicionadas. Num momento do desenvolvimento humano propício a grandes e alargados encontros, exploram a sua identidade e o mundo dos outros e descobrem-se uns e outros num mundo incerto.
Como lidam os jovens com uma realidade que todos os dias supera a ficção?
Os jovens serão, aparentemente, menos suscetíveis ao desenvolvimento agressivo do vírus no organismo, porém, numa fase da vida cheia de desafios e de teste dos limites, sofrem na pele e de forma terrivel os efeitos colaterais da pandemia. Desde o fim do secundário, à preparação profissionalizante ou à entrada na universidade e à integração no mercado de trabalho, associam ainda a importância do início e da consolidação das relações afectivas, a constituição de família, os primeiros passos na autonomização em relação à família de origem e a real independência financeira. As novas tecnologias e ferramentas virtuais permitem inúmeras oportunidades e enriquecem a telescola, ensino à distância e o teletrabalho. Mas nada substitui a relação humana no ensino presencial e o ambiente criado nos contextos de aprendizagem lado a lado, peer to peer: a importância do grupo, do sentido de grupo, da sensação de pertença.
Hoje vemos em consulta jovens dispersos, desmotivados, desligados desta inspiração que só um contexto humano presencial permite. Existe uma verdadeira força no estarmos juntos, no sentarmos lado a lado, de nos envolvermos no trabalho colaborativo.
A distância não é para todos nem para sempre. No momento, vivemos e trabalhamos com os nossos jovens as relações sociais comprometidas, a ansiedade, a angústia, a tristeza profunda neste desligamento.
Precisamos de nos mantermos alerta, à escuta e saber aproveitar a possibilidade de uma relação verdadeiramente dialogante e contingente que os apoie e saiba ouvir as suas dores tão particulares neste contexto.